Atletas brasileiros na Seletivas e no CrossFit Games 2015

O CrossFit Games existe desde 2007, é o principal campeonato da modalidade no mundo. Com um forte patrocínio da Reebok o evento anual vem crescendo desde então. A emissora de televisão norte americana ESPN transmite o campeonato há alguns anos, que sempre acontece no verão da Califórnia, onde o esporte nasceu.

Você pode ler mais sobre a história do CrossFit Games nos posts anteriores deste blog.

Este ano as regras para participar do CrossFit Games mudaram um pouco. As “Super Regionais” foram criadas para substituir as antigas regionais. Até 2014 a America Latina tinha vaga garantida no CrossFit Games, assim como as outras 17 regiões. Mas a partir deste ano estas 17 regiões foram unificadas em apenas 8.

Portanto as regiões mais fracas, como Ásia, África e América Latina sofreram com esta alteração, pois não existe mais vaga garantida, já que competem com regiões de atletas mais fortes.

Foi o que aconteceu com a America Latina, até 2014 os atletas latino americanos das categorias times e individuais foram para o Games. Sempre terminando nos últimos lugares, pois o nível dos americanos e europeus ainda era muito superior.

O Brasil nunca conseguiu enviar um atleta ou time para o Games, outros países como Peru, Porto Rico, e ilhas caribenhas conseguiram classificar, porem com o rápido crescimento do crossfit no Brasil isto iria mudar em 2015, não fosse por esta alteração das regras.

A “super regional” South aconteceu em Dallas, no estado do Texas, sul dos Estados Unidos. Após o termino do Open os 10 melhores atletas classificados nestas 5 semanas de competição online classificaram para a South regional.

Na America Latina o Brasil estava muito bem colocado, no individual masculino Tarcio Santos terminou em segundo colocado. No individual feminino Antonelli Nicole, Anita Pravatti e Tatiana Rebane terminaram em primeiro, segundo e terceiras colocadas nesta ordem, e na categoria de times a CrossFit SP BSB Hulks Team terminaram em segundo colocados. Se compararmos com o ano de 2013 em apenas dois anos os brasileiros cresceram muito, pois as colocações eram apenas da decima colocação em diante.

Watanabe
Daniela Watanabi no CrossFit Games 2015 – créditos: “©2015 CrossFit Inc. Used with permission from CrossFit Inc.

Porem nenhum brasileiro classificou para o Games devido ao alto nível dos competidores americanos. Com exceção da atleta Daniela Watanabe que classificou e foi para o Games na categoria máster 45-49.

Daniela foi a primeira brasileira a competir no CrossFit Games, e mais do que isto, foi a primeira atleta latina americana a brigar pelas primeiras colocações nas provas. Daniela foi muito bem e terminou o campeonato em 5a colocada, um feito inédito até hoje para os brasileiros na modalidade.

É evidente que as competições nacionais estão crescendo numa escala impressionante. Já são vários eventos muito bem organizados e muitos novos estão em desenvolvimento. O numero de boxes no Brasil tem a maior curva de crescimento do mundo, na data que escrevo está matéria, já são 458 boxes afiliados a CrossFit HQ.

Conversamos com algumas personalidades importantes do crossfit para tentar entender e analisar a atual situação e tentar prever o futuro dos brasileiros nas competições internacionais.

julien
Julien treinando Val Voboril – creditos: Julien Pineau

Julien Pineau – Frances, 42 anos, mora em Los Angeles e treina a atleta Valerie Voboril desde 2011 (5a colocada no Games de 2014, 3a colocada em 2013, 5a colocada em 2012) é casado com a brasileira Tati Pineau e já morou no Brasil para treinar e aprimorar o Jiu Jitsu. Dono da empresa StrongFit, ele treina atletas de alto nível e muito bem conceituado no que faz. Entrevistamos Julien principalmente por conhecer o Brasil e por sua experiência com a Val Voboril.

Julien, por que os atletas brasileiros não foram melhor?

– Os brasileiros veem o que acontece no crossfit apenas pela CrossFit HQ (sede da CrossFit Inc.) e pelos posts dos atletas do games, o que pode ser muito enganador. Eu sei, por vias de fato, que muitos artigos publicados não refletem perfeitamente a realidade da vida e treinos destes atletas e por este motivo se torna difícil ter uma boa noção de como as coisas estão evoluindo por aqui.

Então antes de mais nada, é muito importante estabelecermos uma distinção entre o sistema de treinamento CrossFit e o esporte CrossFit. Eles são muito diferentes e precisa de abordagens especificas. O sistema de treinamento CrossFit é aquele desenvolvido pelo coach Greg Glassman e é o que geralmente encontramos nos boxes: constantemente variado, alta intensidade, etc…

O CrossFit que vemos no Games representa o esporte e como tal, precisa de um período “off-season”, ou seja, um período de férias e uma preparação especifica. Como esporte, teve um crescimento tremendo nos últimos sete anos, e o treinamento e carga exigidos no seu inicio está muito diferente do que é exigido hoje em dia. É bacana fazer treinos de “metcons” (metcon é uma abreviação de metabolic conditioning, condicionamento metabólico, treinos aeróbicos) mas para classificar para o Games o treino precisa ser muito mais especifico. É preciso fazer muitos treinos de técnica e cuidadosamente bem calculados. Existem índices que um atleta precisa atingir para competir bem numa regional. Vamos olhar a categoria feminina por exemplo (já que eu treino duas atletas de ponta, eu tenho uma maior atenção para esta categoria).

Para ir bem numa regional uma atleta precisa estar apta a fazer pelo menos:

Snatch com 72 kg

10 Deficit Strict HSPU (de 8 cm) sem quebrar

40 Chest to Bar sem quebrar

50 metros de Handstand walk sem cair

10 Ring Muscle ups em uma única sequencia sem quebrar

Clean com 90 kg

Isto é apenas para a regional de 2015, fora isto eu ainda adicionaria:

Clean & Jerk com 95 kg

Back Squat com 130 kg

Front Squat com 100 kg

Push Press com 75 kg

Deadlift com 145 kg

2 Legless Rope Climb de 5 metros de altura

Remar 500 metros em menos de 1’45”

De 50 a 60 pull-ups sem quebrar

Sem estes índices uma atleta não seria capaz de ser competitiva.

Na época em que eu morei no Brasil, eu vi muitas pessoas fazendo apenas musculação. É um treino necessário, porem não é o mais importante, eu diria que os treinos de levantamento de peso olímpico e powerlifting são mais importantes.

Os brasileiros são muito ativos e atléticos, o condicionamento não é o problema, o trabalho precisa ser realizado com os pesos (principalmente fora da temporada). Precisam apenas se tornarem mais fortes.

Para se tornarem ainda melhores, os atletas brasileiros precisariam contratar coachs para: periodização, treino com barras e ginástica olímpica. Assim como os atletas americanos fazem, teriam que vir pessoalmente até os Estados Unidos para ver o nível dos atletas aqui.

Da mesma maneira que os atletas americanos de MMA fizeram, eles foram ao Brasil para ver e aprender Jiu Jitsu, foram para a Tailândia para ver e aprender Muay Thai e etc.

Na cultura americana os jovens já começam a treinar na academia desde muito jovem, os meninos começam a treinar musculação com 14 anos e as garotas com uns 18, e isto ajudou muito no crossfit.

Para os mais jovens no Brasil eu indicaria treinar focando em aprender os movimentos de levantamento de peso olímpico e ginásticos. Força bruta pode vir depois. Crossfit veio para ficar, disto não tenho duvidas. Eu fico curioso para ver o que vai acontecer com a situação da afiliação vai se desenrolar com o tempo e como os grandes boxes vão lidar com os boxes menores, mas o esporte em si irá apenas crescer.

Hannah Caldas nas Reginais 2015 – créditos: "©2015 CrossFit Inc. Used with permission from CrossFit Inc."
Hannah Caldas nas Reginais 2015 – créditos: “©2015 CrossFit Inc. Used with permission from CrossFit Inc.”

Hannah Caldas (Ana) – Portuguesa, 37 anos, mora na Califórnia e foi nadadora profissional, já competiu quatro vezes nas regionais, é atleta NPGL do time Baltimore Anthem. Ana já passou uma temporada no Brasil treinando crossfit no box CrossFit SP, e esta experiência a qualifica a falar conosco sobre os brasileiros.

Blog AMRAP Brasil: Na sua opinião o que está faltando para o Brasil formar melhores atletas?

Ana: Talento não falta no Brasil, mas talento é apenas uma das variaveis a considerar para suceder no esporte. Para um melhor sucesso terá que haver um ajuste completo no estilo de vida; quer em termos de treino, nutrição e descanso. Na minha opiniao um dos maiores erros do Crossfit no Brasil foi que ano após ano focaram apenas na America Latina, ou mesmo no Brasil, o que impos uma grande limitação no avanco das qualidades dos atletas. Acho que também será importante desenvolver controle anti doping no mesmo nivel que existe aqui nos EUA e Europa. Salvo competições regionais em que os atletas se classificaram no topo, creio que os atletas no Brasil não são sujeitos ao exame anti doping. Aqui existe exames de anti doping não anunciados, a qualquer altura do ano, mesmo fora de competição, em que varios atletas fazem parte (eu inclusive)

Blog AMRAP Brasil: Como os atletas brasileiros poderiam melhorar?

Ana: É importante ter perspctiva neste esporte, e saber que o que é considerado avancado hoje, vai virar padrao amanha! Por isso não basta apenas focar no presente, é preciso fazer uma previsão de onde o esporte irá avançar no futuro. O Brasil estará numa fase de “catch up” durante os próximos anos, mas nada é impossivel. Sinto que em parte alguns atletas brasileiros tem falta de humildade. Para progresso como atleta é muito importante reconhecer as falhas e fazer um trabalho arduo para as corrigir. Muitas vezes sinto que os atletas no Brasil se sentem acima disso, e que se encontram no topo da elite.

Blog AMRAP Brasil: Por que os americanos são tão melhores? Em seguida vem os canadenses, europeus, australianos…

Ana: Dizer que os americanos sao os melhores é debativel! Não concordo 100%, no entanto concordo que na geral há mais americanos no topo que outras nacionalidades. O motivo? Bom em parte acho que porque o esporte está bem mais estabelicido aqui que nos outros lugares. A mentalidade americana é bem mais competitiva que outras nações, então facilita um pouco o avanço do esporte, desconsiderando certas limitacoes e preconceitos que existem é bem parecido com outros lugares.

Blog AMRAP Brasil: Que conselhos você daria a uma atleta ainda jovem que está prestes a construir a sua carreira atlética?

Ana: O meu primeiro conselho é sempre humildade! Por muito bom que se seja, todos temos nossas limitações. E importante indentifica-las, aceita-las pois só assim serõo superadas na totalidade. Para sucesso absoluto é preciso uma grande dose de dedicação. O caminho não é fácil, não é curto, é importante aceitar isso. Entender que o sucesso inclui falhar, cair, levantar, e continuar. É muito importante, e muitas vezes esquecido, recuperação e repouso são partes integrantes e imprescindiveis do treinamento, e evolução como atleta.

Blog AMRAP Brasil: Na sua opinião, como vai ser o futuro do crossfit e do esporte fitness funcional?

Ana: A revolução do fitness funcional vai sem duvida continuar, mas com divergencias. Há muita gente desiludida com a forma que a CrossFit HQ está levando o esporte. Comecam a surgir competicoes independentes e diferentes, surge a liga GRID (NPGL) que após o primeiro ano comeca a ter bastantes seguidores, fans. É tambem uma liga que valoriza muito mais o atleta. O futuro existe sem duvida, a questao é a direcao que esse futuro levará. Independetemente da direcao, na minha opinao o futuro é emocionante!

créditos: "©2015 CrossFit Inc. Used with permission from CrossFit Inc."
créditos: “©2015 CrossFit Inc. Used with permission from CrossFit Inc.”

E por ultimo conseguimos entrevistar o analista do CrossFit Games, Tommy Marquez, que faz todas as analises dos atletas desde o Open até o ultimo dia do Games. Tommy é a voz critica e analítica que auxilia os comentadores da transmissão do CrossFit Games, trabalha na CrossFit HQ e Midia e por isto é mais do que qualificado para falar dos atletas brasileiros.

Blog AMRAP Brasil: Qual é a sua opinião sobre os atletas brasileiros?

Tommy: Eu estou muito impressionado com os atletas brasileiros. Especificamente como melhoraram suas performances nos Open dos últimos anos e como o esporte e a comunidade do CrossFit floresceu no Brasil. O novo formato do Open e da Regionais criou uma oportunidade para os atletas brasileiros (e América Latina em geral) para provar que eles podem competir com os melhores.

Se você lembrar de 2013, havia apenas um atleta do sexo masculino, Tarcio Santos, e uma equipe, CrossFit SP, do Brasil no top 10 do Open da América Latina. Passados alguns anos e os brasileiros avançaram para a liderança da América Latina. Este ano houveram dois homens, três equipes, e cinco mulheres que terminaram no top 10 na América Latina, o que é importante pois apenas os dez melhores atletas recebem convites para a Regional. As mulheres têm sido, provavelmente, o mais impressionante, tendo as três primeiras colocações no Open da América Latina, e Antonelli Nicole teve o melhor resultado de qualquer homem, mulher, ou equipe da América Latina nas regionais.

O crescimento dos atletas individuais tem espelhado o crescimento da comunidade do CrossFit em geral no Brasil. Com 458 boxes afiliadas, o Brasil tem o maior numero de afiliadas de que qualquer outro país da América Latina, sendo mais do que o dobro do segundo pais. O Brasil tem um apoio enorme á comunidade do CrossFit, oportunidades de certificação e oportunidades de carreira que se alinham com competir em alto nível. O desenvolvimento e notoriedade dos atletas, por sua vez, traz a exposição e a metodologia do CrossFit para mais e mais pessoas no país, que é importante porque ajuda a difundir a mensagem de ótima saúde e fitness. É um relacionamento mutuamente benéfico.

Blog AMRAP Brasil: O que está faltando nos nossos atletas para chegar ao Games?

Tommy: Honestamente, a coisa mais importante é o tempo. Há um punhado de coisas que estão faltando, mas o denominador comum é o tempo. O importante é que a fundação foi construída e as coisas estão caminhando na direção certa. Existe uma comunidade de boxes afiliados forte e presente no Brasil, o que significa mais lugares para treinar e aprender. Há um grupo de atletas dedicados e focados todos os anos para classificar para o Games, que gera um grupo de atletas talentosos e competidores experientes motivam uns aos outros. Há também um crescente interesse pelos principais atletas e treinadores fora do Brasil, para visitar, compartilhar e ajudar a comunidade a crescer. Isso traz aos brasileiros oportunidades de comparação com o melhor da comunidade do CrossFit.

O tempo vai trazer mais formação para melhorar os pontos fracos e manter os pontos fortes dos atletas que já estão no grupo dos melhores do país. O tempo também vai ajudar a construir o que eu chamo de “Economia do CrossFit” ai no Brasil, o que significa que como os números de boxes afiliados estão crescendo a comunidade vai crescer, haverá mais empresas brasileiras, que giram em torno da cultura e estilo de vida do CrossFit. Pode ser empresas de nutrição, vestuário, coaching, ou empresas de equipamentos, mas o que eles trazem é mais recursos para os atletas melhorarem e alcaçar seus objetivos. Elas também irão ajudar e apoiar os boxes afiliados que é importante, porque eles estarão desenvolvendo a próxima geração de atletas.

Os melhores atletas no Brasil como Antonelli Nicole, Tarcio Santos, Anita Pravatti, Tatiana Rebane, Artur Machado, provaram que estão entre os melhores da América Latina. Agora, com as experiências adquiridas nas Regionais deste ano junto com os americanos eles já sabem em primeira mão qual nível de condicionamento e treino que precisam ter para chegar e ser competitivos no Games. Com isso em mente eles podem usar essas experiências para mensurar a sua formação e se concentrar em áreas específicas em que eles precisem trabalhar para melhorar ainda mais, sabendo que uma vez que classifiquem para as regionais eles poderão se comparar com os melhores atletas antes de chegar ao Games. Lembre-se que o CrossFit ainda é novo na América Latina em comparação com os Estanos Unidos. É apenas uma questão de tempo para que os atletas brasileiros cheguem ao nosso nível e começaremos a ver o Brasil representando a América Latina de volta no CrossFit Games.

Tempo, força, experiência… Acredito que seja um pouco de cada. Acredito que o brasileiro tem algo que nenhum outro país tem, e é uma mistura de carisma, dedicação, emoção, entre outras.

Quando penso nos atletas brasileiros, fora do escopo do CrossFit, lembro de Ayrton Senna, Gustavo Kuerten, Gabriel Medina, Cesar Cielo, Éder Jofre, Arthur Zanetti, família Gracie… São tantos que não caberiam nestas páginas. São atletas que venceram mesmo sem os melhores equipamentos para treinar, sem os melhores técnicos, nutricionistas, enfim. Provaram que para vencer é necessário querer, querer mais que todos os outros. Acreditar, acreditar mais do que todos. O brasileiro não desiste nunca, e tenho certeza que um dia poderemos ver a bandeira do Brasil no pódio de Carson. E talvez este dia esteja mais próximo do que imaginamos! O importante é formarmos uma comunidade forte e amiga, onde o foco seja o crescimento e apoio. Onde os sonhos possam ser realizados.

Por Mex Abrusio

Colunista da Revista CF e diretor da AMRAP Brasil